quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Reflexões sobre a questão gay - Parte I

     Há um tempo, deparei-me com o seguinte livro: "Reflexões sobre a questão gay", de Didier Eribon. Uma interessante obra, da qual pretendo apresentar e discutir, da forma mais sucinta possível (porque, afinal, sobre tal tema poderíamos escrever páginas e páginas sem o esgotar), cada capítulo. Aqui, começarei comentando o prefácio do livro. Porém, sinto que devo dizer umas palavras primeiro.

     Este post tem dois motivos de ser. O primeiro deles, pessoal, bem egoísta mesmo: ter um mero registro de uma leitura que fiz num determinado momento. O segundo é tentar acrescentar algo à discussão sobre sexualidade no mundo virtual, que por vezes fica num padrão monótono, do tipo: "preconceito é feio" ou "eu odeio gente que odeia gay" ou "meu direito começa quando acaba o do outro". Não estou dizendo que são inverdades, só quero frisar que o que parece óbvio (ou absurdo) - sim, mesmo o óbvio (ou absurdo), que pode não ser tão óbvio (ou absurdo) assim - deve ser analisado, criticado, avaliado, repensado. Tentar participar de debates e blogues parece um caminho para o diálogo.

     Começo, assim, pelo prefácio (que dividirei em dois) do livro.

     O autor toma como partida uma página de Proust:

     E, no entanto, Deus sabe como o Sr. de Charlus não gostava de sair com o Sr. de Vaugoubert. Pois este, de monóculo no olho, contemplava de todos os lados os rapazes que passavam. Mais ainda: liberando-se quando estava com o Sr. de Charlus, fazia uso de uma linguagem que o barão detestava. Punha todos os nomes de homem no feminino e, como era muito imbecil, julgava esse gracejo bastante espirituoso e não deixava de rir às gargalhadas. Como, a par disso, era enormemente apegado a seu posto diplomático, os modos zombeteiros e deploráveis que ostentava na rua eram interrompidos constantemente pelo susto que lhe causava no mesmo momento a passagem de pessoas da sociedade, mas sobretudo de funcionários. “Esta pequena telegrafista - dizia, cutucando o barão carrancudo -, já me dei bem com ela, mas a velhaca resolveu mudar de vida! Oh! aquele entregador das Galerias Lafayette, que maravilha! Meu Deus, aí vem passando o diretor dos Assuntos Comerciais. Tomara que não tenha notado o meu gesto! Seria capaz de falar nisso ao ministro, que me poria em disponibilidade, tanto mais que também é uma”.

     Logo, o autor já aponta para o caráter temporal do episódio. Oras, será que é muito diferente hoje em dia? Quantos não falam no feminino de si mesmos ou dos rapazes que passam, mas controlam os gestos e as expressões tão logo cruzam com um colega ou um conhecido?
     Percebendo no texto de Proust que os homossexuais "se defendem" do que é exterior, o autor lançará o questionamente: "os homossexuais são um grupo particular, uma minoria específica, ou são indivíduos como os outros, exceto pelo fato de que não têm as mesmas práticas sexuais? (...) E não será a multidão inumerável de laços do mesmo gênero que tece a rede daquilo que Proust considerava a 'maçonaria' dos 'sodomitas' e que hoje designaríamos como a 'subcultura gay'?"
     Outro ponto importante apontado pelo autor no texto é a polaridade entre masculinidade e afeminação. Nítida em Proust e, para mim, também nos dias de hoje.

     Continuo a indagações de Eribon no próximo post sobre o tema. Até aqui, fica o seguinte:

     Há uma subcultura gay? Ou somos apenas indivíduos diferentes dispersos pela sociedade?

     Sim, eu acho que há. Hoje em dia, há uma tendência muito forte por parte de alguns teóricos de dissolver as minorias e as classes numa sociedade heterogênea, individualizada e tolerante. Porém, penso por alguns instantes sobre minha vida... Seria ela diferente, se diferente fosse minha sexualidade? Com certeza! A sexualidade é parte integrante do ser, da subjetividade. Até mesmo a não-aceitação dela faz com que essa subjetividade seja construída de uma forma e não de outra. O que vocês pensam?

2 comentários:

  1. Acho até óbvio que exista uma subcultura gay. Mas na sociedade do politicamente correto, todos têm medo de dizer isso. Por que? Acredito ser uma tentativa de homogeneizar a diferença. Sendo assim, somos todos "iguais", perante a sociedade. Acredito que este pensamento foi um erro dos movimentos militantes que hoje temos que consertar. Somos diferentes sim e temos que ser respeitados por isso.

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  2. Uma amiga feminista costuma me dizer: "o feminismo realmente ganhou consistência quando descobrimos que, além de lutarmos pelos mesmos direitos, lutamos pelas diferenças, pois somos diferentes!"

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